Guideline – Estratégias para lidar e prevenir dados faltantes durante o desenho, planejamento, condução e análise de estudos clínicos
Introdução
A evidência científica é o subsídio fundamental na produção de ciência. E, visando à melhor evidência disponível, é essencial a utilização de metodologias adequadas na busca do conhecimento, sejam elas revisões sistemáticas, estudos
experimentais ou pesquisas observacionais.
Em relação à pesquisa clínica, existem diversos mecanismos metodológicos empregados no delineamento de um ensaio clínico que visam proporcionar a maior imparcialidade possível na comparação de diferentes intervenções, como a configuração do estudo clínico (configuração em paralelo, configuração cruzada, ensaios sequentes, etc.), a definição das variáveis; a utilização de grupo controle; a randomização e o mascaramento.
Entretanto, o adequado delineamento de um estudo clínico não é suficiente por si só para garantir total imparcialidade na avaliação de seus resultados. Outro aspecto necessário para garantir essa isenção seria a ausência de interferências ou vieses decorrentes da ausência de dados, bem como a padronização e imparcialidade na obtenção dos dados por parte da equipe do estudo.
Por mais criteriosa que seja a condução das diversas etapas de um ensaio clínico (desenho, planejamento, condução e análise), em Pesquisa Clínica é bastante comum a ocorrência de dados faltantes.
Muitos autores afirmam que a análise da população Intenção-de-Tratar – ITT, ou seja, todos os participantes de pesquisa que administraram ao menos uma dose da medicação do estudo, é considerado o critério mais adequado para a avaliação da utilidade de uma nova terapia. Contudo, quando ocorrem abandonos do estudo (dropout) ou quando, por algum motivo, o participante de pesquisa não comparece às visitas e até mesmo por eventual falha da equipe do estudo na captação de dados, a produção de dados faltantes pode comprometer a análise acerca da relação de causalidade da terapia em estudo.
Little e Rubin, 2002, identificaram três categorias para classificar como os dados faltantes são gerados:
A identificação e o entendimento da natureza dos dados faltantes é imprescindível para a análise do potencial impacto nos resultados dos estudos e em suas interpretações (Mcknight et al, 2007), assim como na escolha dos mecanismos e abordagens analíticas para lidar com estes dados ausentes.
Por muitos anos, foram utilizadas técnicas de análise a partir de deleções ou preenchimento arbitrário de dados faltantes, muito embora estas técnicas sejam propensas ao viés. Felizmente, no último quarto de século, grandes avanços têm sido alcançados no desenvolvimento de técnicas analíticas para avaliar os efeitos causais na ausência de dados, como, por exemplo: ponderação pela probabilidade inversa, imputação múltipla e análise baseada em probabilidade. Ainda assim, é importante entender que estes métodos são apenas ferramentas e não soluções.
São muitas as incertezas envolvidas com os mecanismos de identificação e avaliação de dados faltantes, por isso o melhor método para lidar com estes dados é a prevenção. O’Neill (2012) descreveu a necessidade de uma mudança cultural focada em estratégias para a prevenção de dados faltantes durante a condução e gestão de pesquisas clínicas.
Quando planejamos um estudo, conduzimos uma análise ou criticamente revisamos os resultados de pesquisa, é importante contemplar como os dados faltantes são gerados. Existem grupos mais prováveis para apresentar dados faltantes? Existem respostas que podem ser mais facilmente perdidas? Quais estratégias podem ser utilizadas a fim de minimizar a ausência de dados nas diversas etapas de um estudo clínico?
Com base nestas questões, a equipe da Unidade de Pesquisa Clínica do Centro de Medicina Reprodutiva Dr. Carlos Isaia Filho Ltda. observou a necessidade de elaborar uma Guideline sobre estratégias para prevenção de dados faltantes nas diferentes etapas de um ensaio clínico.
Guideline: estratégias para prevenção de dados faltantes em estudos clínicos
Seja no delineamento, no planejamento, na condução ou na análise de um estudo clínico, existem alguns pontos importantes que devem ser previamente discutidos pela equipe responsável e, dentro do possível, adotados, de modo a minimizar a ausência de dados em um estudo clínico:
Desenho do estudo
A seguir, apresentamos um exemplo de uma falha no desenho de um estudo clínico:
Num determinado estudo clínico, os participantes de pesquisa receberam um diário no qual deveriam registrar os horários em que a medicação era administrada, bem como realizar avaliações de intensidade da sua dor. A medicação deveria ser administrada de 8h em 8h e a avaliação da dor realizada 1 hora antes, 1 hora depois e 2 horas depois da administração do medicamento.
Com este delineamento, o participante de pesquisa obrigatoriamente necessitaria acordar ao longo da madrugada para registrar as marcações. Exemplo:
Caso a primeira dose da medicação seja às 10h, a segunda e a terceira doses seriam, respectivamente, às 18h e às 02h. Neste último caso, além da administração da medicação, o voluntário deveria ainda avaliar a intensidade de sua dor à 01h, às 03h e às 04h.
Considerando um período de 24 horas, o participante de pesquisa estaria envolvido nas atividades do estudo durante 09 horas.
Casos como este abrem precedentes à ocorrência de dados faltantes ou, o que seria pior, ao falseamento de dados. Por esta razão, a grande necessidade de serem adotadas configurações metodológicas que minimizem este tipo de possibilidade.
Planejamento do estudo
Condução do estudo
Análise do estudo
É interessante que o plano estatístico descrito no protocolo do estudo clínico compreenda também metodologias de tratamento e análise de possíveis dados ausentes ao final do estudo, levando-se em conta que:
REFERÊNCIAS
Dziura JD, Post LA, Zhao Q, Fu Zhixuan, Peduzzib P. Strategies for dealing with
missing data in clinical trials: from design to analysis. Yale J Biol Med. 2013
Sep;86(3):343-358.
O’Neill RT, Temple R. The prevention and treatment of missing data in clinical trials:
an FDA perspective on the importance of dealing with it. Clin Pharmacol Ther.
2012;91(3):550-554.
Little RJA, Rubin DB. Statistical analysis with missing data. New York: Wiley; 1987.
Wisniewski SR, Leon AC, Otto MW, Trivedi MH. Prevention of missing data in clinical
research studies. Biol Psychiatry. 2006;59(11):997-1000.
Veroneze R. Tratamento de dados faltantes empregando biclusterização com
imputação múltipla. Campinas. Dissertação de Mestrado da Faculdade de
Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas;
2011.